terça-feira, 13 de setembro de 2011

“Por que não eu?”


O professor Renato Janine Ribeiro, conhecido nos círculos políticos como pertencente ao grupo dos "nem contra nem a favor, mas muito pelo contrário desde que sobre uma boquinha” vem de formular no jornal Valor Econômico uma proposta no mínimo inusitada, mas de forte apelo para o público a quem fala: franquear candidatura a qualquer um que queira fazê-lo independentemente de vínculo com partidos políticos.

Numa argumentação que bem lembra a dos libertários de Boulevard dos anos 60, brandi a França (não poderia deixar de ser) como exemplo de país onde experimento teria sido um sucesso. Apenas esquecendo convenientemente de explicar como esse sistema funciona na prática entre seus admiráveis gauleses. Ao invés disso, prefere discorrer cansativamente sobre o “oligopólio” exercido pelos partidos sobre o direito do cidadão de candidatar-se.

Na ausência de maior aprofundamento por parte do professor resta a este leitor a tarefa de fornecer as informações necessárias a um entendimento mais desinteressado sobre o assunto. De fato qualquer cidadão pode candidatar-se na França dentro daquilo que os franceses chamam de processo de “parrainage”, em que o pretendente a cargo eletivo deve colher o apoio oficial de 500 apoiadores ou patronos que gozem da condição de “parrain”. Vale dizer, homens ou mulheres regularmente eleitos pelo voto direto para qualquer um dos coletivos de democracia representativa existentes no país, como o parlamento nacional, o parlamento europeu, o parlamento regional ou os conselhos municipais.

Há regras para o apoio dos patronos. È exigido que estes representem pelo menos 30 distritos eleitorais ou departamentos diferentes, devendo não mais que 10% deles ser ligados a um mesmo distrito. Um “parrain” pode dar seu apoio a apenas um único candidato e as assinaturas postas em seu favor, depois de dadas, não podem mais ser retiradas.

Qualquer eventual candidato que pretenda o apoio desses patronos deve fazê-lo no curto prazo de 3 semanas depois de anunciado o pleito. Nas eleições francesas de 2007 cerca de 40 pessoas disputaram o apoio de 43.000 “parrains” sendo que apenas 12 conseguiram efetivar seus registros perante a comissão eleitoral.

Como seria de esperar, o experimento julgado digno de reprodução pelo ilustre filósofo vem sendo objeto de viva controvérsia na França desde que parcela majoritária da comissão eleitoral considera-o favorecedor das forças políticas já estabelecidas e da chegada ao parlamento de candidatos com precário suporte na sociedade. Outra consideração levantada pela comissão é que o sistema de “parriage” estimula a inscrição de candidato em busca de notoriedade e de mais fácil ingresso na carreira política, devido ao financiamento público de campanhas que lhe é garantido.

Na faltaram no transcurso das eleições de 2007 na França patronos queixando-se na mídia de pressão indevida de candidatos ou de seus próprios partidos com o propósito de obtenção ou de recusa de apoios. O caso mais rumoroso envolveu o prefeito da localidade de Noron-la-Poterie, que acionou na justiça seu apoiado e potencial candidato Rachid Nekkaz a fim de que este lhe pagasse multa de EU$ 1.550 pela “parrainage” desperdiçada. Ao que Nekkaz alegou em sua defesa perante o Conselho Costitucional (espécie de STJ francês), que o insucesso da empreitada eleitoral se devera à pressão exercida sobre os patronos que deveriam também apoiá-lo e que por causa disso não o fizeram. A Corte considerou improcedentes as justificativas uma vez que “as supostas pressões não haviam exercido qualquer impacto sobre a legalidade do processo de registro”. Imagine-se a gozação que o assunto não rendeu na impiedosa mídia francesa.

As mazelas que envolvem o sistema da “parrainage” fazem com que discussão sobre sua continuidade (ou não) prossiga no país, entendendo o Conselho Eleitoral da França que o sistema geral de registro de candidaturas ali utilizado é suficientemente inclusivo para permitir que se repense o sistema de candidaturas avulsas; e que enquanto o legislativo nacional não se decidir sobre o assunto é recomendável uma maior transparência ao processo com a publicação dos nomes de todos aqueles que assinaram listas de patronagem, pondo fim à sua divulgação amostral.

Surpreende então que o intelectual tente nos vender como a mais recente inovação de práticas democráticas um sistema de oligarquias eleitorais que ao invés de permitir que se escape à força centrípeta dos partidos mais a reforça. Como no dito caipira, do alto de sua sapiência o professor ouviu o galo cantar e não soube onde. Como doutor em política, no entanto, deveria saber que o debate que se trava hoje nas principais democracias do mundo tem por foco o aprimoramento do sistema representativo no que diz respeito a como contrabalançar um maior controle e eficácia dos governos com a necessidade de assegurar mais ampla inclusão às vozes minoritárias da sociedade.

A questão central não é qual a melhor forma de enviar vedetes ao parlamento, mas como mudar-lhe a composição social de modo a dar representação sistemática a grupos sociais sub-representados em termos de classe, raça e gênero. No brasil, elegemos como presidente uma mulher embora no parlamento as mulheres sejam contadas nos dedos; falamos às bagas em inclusão social enquanto caçoamos dos cidadãos de baixa escolaridade que se apresentem às eleições; defendemos igualdade racial, mas reduzimos candidatos negros a pagodeiros. O mesmo pode ser dito com relação às clivagens de natureza regional, lingüística, étnica e religiosas que perpassam a sociedade brasileira.

Estudo de amplitude conduzido em meados da década dos anos 90 sobre reformas eleitorais na Europa aponta que a questão de como funcionam os sistemas eleitorais tem enorme importância para a definição do grau de inserção de minorias ao processo de tomada de decisão nas sociedades, pondo em relevo aspectos que nem sempre estão em linha com conceitos caros à democracia representativa.

Os sistemas proporcionais – baseados em listas partidárias – foram considerados por esses estudos como os mais aptos a refletir a real composição do eleitorado (Morris 1995) em vista de facultarem um maior incentivo à inclusão de representantes de minorias, na perspectiva de maximização de apoios eleitorais ao partido. Da mesma forma, assinala o estudo, medidas afirmativas em favor de minorias são mais facilmente implantadas em processos de recrutamento de candidatos realizados sob critério de listas fechadas.

Voltando ao loquaz professor e descartando sua falta de pontaria, não seria difícil concluir o que o teria motivado a disparar o dardo na direção errada. Arriscaria a dizer que foi o personalismo pouco mascarado de alguém que considera a hipótese de vir a tornar-se político de modo fácil, recorrendo à ceva de ex-alunos nas redes sociais e ao discurso de uma só frase: “por que não eu?”
               

Um comentário:

  1. ...lembra quando o marido encontrou a mulher traindo-o no sofá
    Ele colocou fogo no sofá!!

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