sábado, 3 de setembro de 2011

Homem, Letrado e de Classe Média Alta



Pascal dizia que quase todos os homens são levados a crer não por provas, mas sim por atrativos. Referia-se a uma tendência que possuímos de sustentar argumentos inspirados pelas nossas conveniências e não por aquilo que os fatos sugerem haver de consistente no que apreciamos. Uma espécie de predisposição, que levaria o ser humano a julgar o falso e o verdadeiro de acordo com a atração que os fatos exercem sobre quem os interpreta. Julgaríamos pelo que gostamos e tomamos esse gosto pelo que é verdadeiro

Henry James, escritor norte-americano do século XIX, indo em direção oposta à do preceito iluminista,  sugeriu que as opiniões freqüentemente manifestas pelas pessoas são as que mais se coadunam com os seus próprios desejos, pelo simples fato de serem essas mesmas opiniões as que tornam mais prováveis a realização dos desejos pessoais.
Escritores de extração racionalista viram na opinião de James desapego ao critério da objetividade que deveria a princípio presidir qualquer opinião com pretensões a validade, desde que a falta de isenção compromete um julgamento rigoroso, quando não é por si só causa da irracionalidade de muitas das opiniões emitidas.
 A ponto de Frederick Lund, buscando dar sustentação à tese por meio daquilo que lhe era negada – a cientificidade – decidiu por submetê-la a teste encontrando uma correlação de 0,88 (efetivamente probatória) entre a motivação pessoal com que se sustenta uma opinião e o grau de aceitação a ela conferida.
Verdade ou não, o fato é que sempre quando alguém se vê na situação de ter que negar o substrato de desejo contido em sua opinião importa menos fazer prova da objetividade dessa mesma opinião e mais dar prova da imparcialidade com que ele, o prolator da opinião, vem manifestá-la. Para ser crível, deve demosntrar coerência apontando como agiu em situações diferentes à essa que de momento opina .
Impossível não recordar como exemplo de validade da assertiva episódio da corrida eleitoral para a presidência da República em 2010 quando o candidato pela oposição fez ruir toda a imponente construção de sua argumentação lógica quando acabou revelado que sua esposa, certamente com sua anuência, houvera dado curso a um aborto em momento pretérito da vida do casal.
Mas se a prova de isenção pesa mais que a razão na demonstração da objetividade do argumento, em que circunstância então seria legítimo ao individuo julgar o comportamento de terceiros? A resposta não está na suposta existência de qualquer código de conduta aplicável ao momento, mas na verificação do fato se quem julga foi submetido às mesmas contingências que determinaram o agir de quem é julgado. Em outras palavras, se é um igual.
Desse modo não tinham legitimidade os franceses para, após a segunda guerra e em situação absolutamente diversa daquela sob as quais agiram seus compatriotas, julgarem os atos dos que haviam optado por colaborar com o invasor nazista. Como não têm ainda hoje legitimidade os que se mantiveram calados durante os anos de chumbo do regime militar no Brasil em condenar aqueles que, na clandestinidade, pegaram em armas para restabelecer a democracia subtraída antes pela mesma força das armas.
Nem tem legitimidade aquele ou aquela que, nem sendo mulher pobre de periferia nem ter sido exposta a uma gravidez indesejada, venha condenar a eventual decisão de quem nessas condições tenha decidido pela interrupção assistida de uma gestação. Como fez o homem, letrado e de classe média alta candidato pelas oposições nas eleições presidenciais passadas.
Neste como em casos freqüentes da vida não é possível apresentar prova da legitimidade do proceder condenado, circunstância de que se vale o detrator para interditar a argumentação do detratado sob a acusação de que, por faltar comprovação ao que se afirma, não há porque considerar a opinião manifestada.
A atitude caracterizaria o fanático, aquele quem – do ponto de vista da prática discursiva – brandindo o salvo conduto de uma crença cobra da tese adversária uma prova de pertinência que esta não pode fornecer e que diante do fato recusa as condições prévias que justificariam a validade da própria tese, bloqueando por meio do estratagema a possibilidade mesma de submetê-la a uma livre discussão.
O discurso do fanático tem penetração porque soa bem aos ouvidos do cético, que acredita que a não apresentação de uma prova argumentativa cabal pelo acusado de estar em desacordo com as regras morais, torna inválida toda a sua argumentação.  Desacredita-a, pois, como portadora de visões particulares de mundo com direito a um lugar ao sol.
Expatria-se por falta de conteúdo probatório na argumentação o discurso da mulher, do homossexual, do negro, do morador de rua e de quem mais o fanático e o cético em sua interlocução de intolerância decidam negar subsistência.
Sem que se dêem conta, ignoram que o processo da argumentação não é outra coisa senão justificação de escolhas, impossível pela sua própria natureza dialógica de fornecer demonstrações sobre sua validade.
Demonstrações ainda que intentadas mais não fariam do que fortalecer a intolerância do fanático e do cético, dada a revelação da inexistência quaisquer escolhas reais senão aquelas do alvitre dos que examinam o problema.
A dialogicidade do discurso em sociedade diz respeito ao fato de que no debate de idéias não estamos diante de uma simples dualidade de tipo lógico como a que se verifica nas expressões “a vida é boa” versus “a vida não é boa”, em que uma frase opõe-se à outra. Estamos na discussão social frente a fenômeno de natureza distinta em que o que se encontra implicado são posições valorativas dos sujeitos que discursam. 
Sendo a prova retórica impossível, quem dá sua adesão a uma discussão o faz por um ato de livre vontade embalado pela democrática disposição de transigir e ouvir o outro.
O fanático pode em alguns casos até aceitar esse envolvimento, mas o fará sempre como quem se inclina a uma verdade absoluta e em reforço, consequentemente, de uma posição extremista. O cético, de sua parte, recusará sempre o envolvimento pelo fato de condicionar sua adesão à apresentação de provas cabais sobre caráter definitivo e duradouro daquilo que se discursa.
Pior para todos porque é na escolha entre possíveis e na consideração dos argumentos que se encontra o caminho para a racionalidade nas decisões.  Sem o que só restará o atalho da violência e, depois dela, a destruição. É urgente democratizar o acesso e o controle dos meios de comunicação no Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário